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TIRA A MINHA ALMA DA PRISÃO

INTRODUÇÃO Servir a Cristo não deve ser encarado como garantia de ausência total de sofrimentos e aflições. Os diversos exemplo bíblicos, os exemplos contemplados através da história do cristianismo, e os exemplos de vida pessoal, provam exatamente o contrário. Na verdade, este pensamento amplamente difundido, que a vida do crente fiel deve ser marcada apenas de bênçãos e vitórias não se coaduna com o pensamento cristão refletidos nas Escrituras. Esse pensamento é fruto da herança antibíblica deixada pela teologia da prosperidade, que tem suas raízes na lei da retribuição, bem arraigados na teologia judaica. Jesus deixou explicito que o crente sofrerá aflições neste mundo (Jo 15.39), mas deixou-nos uma palavra de conforto “eu venci o mundo”.

  1. O SOFRIMENTO É INERENTE DO SER HUMANO

O sofrimento é algo inerente do ser humano, independentemente de sua cor, raça, classe social, idade, sexo etc. Sofremos ou somos afligidos por causa de nossa composição somática, psíquica, emocional, e podemos ainda acrescentar um quarto aspecto, “o espiritual”. O fato de o homem ser uma criatura limitada ao tempo, espaço, circunstâncias etc., torna-o suscetível as aflições, sofrimentos e provações. Como um ser que tem corpo “soma” nos situamos no espaço e no tempo, como um ser psicoafetivo somos afetados pelas circunstâncias que nos cercam e criamos um mundo virtual que nos é próprio, que o outro não pode ter acesso, apenas nós mesmos. Desta forma todos nós nos situamos no espaço e no tempo, mas ao mesmo tempo vivemos em mundos virtuais distintos “estados psicológicos, sentimentos, emoções” que somente Deus é capaz de sondar e esquadrinhar.

  1. DAVI NA CAVERNA

No Salmo em questão, Davi se encontrava mergulhado no sofrimento, sofrimento este impelido pelas circunstâncias que o cercava. Conforme nos informa o título do Salmo 142, Davi se encontrava em uma caverna quando orou a Deus nos termos deste cântico. O sofrimento é algo próprio do ser humano, algo que ninguém poderá esquivar-se, contudo, dependendo de como nos comportamos, ou de como reagimos diante dos problemas eles poderão nos aprisionar formando assim uma verdadeira prisão somática, psíquica, emotiva e espiritual. Estas quatro instâncias da personalidade humana estão intrinsicamente ligadas, de maneira tal que é impossível tratá-las separadamente. Davi se encontrava em uma caverna, e tudo indica que ele estava ali pelo fato de estar se escondendo de seus inimigos (provavelmente Saul ou Absalão, que procurava-o furiosamente com o intuito de dizimar sua vida). Ao concluir sua aflita oração, Davi pede a Deus que o livre da prisão “tira a minha alma da prisão, para que louve o teu nome” (Sl 142.7). O que se constituía a prisão de Davi? Será uma alusão a caverna? Uma caverna no sentido natural pode se assemelhar a uma prisão, mas não a pode representar em seu sentido pleno, pois a porta que serviu de entrada é a mesma que será usada para sair dependendo de circunstâncias internas e externas obviamente. Uma caverna pode deter características de uma prisão, mas não o é em seu sentido pleno. Prisão lembra cativeiro, ausência total de liberdade, limitação do espaço, cárcere. Analisando a oração de Davi constatamos que a sua prisão não consistia apenas em estar retido em um espaço físico limitado, ou das condições físicas precárias impostas por este espaço como “água, comida, higiene”, mas uma suma de fatores.

  1. Angústia (v 2). A angústia é uma resposta psicossomática que indica um estado de pressão psicologia. Além do fator somático, o psicoafetivo é outro aspecto importante para a saúde do ser humano.

  2. Espírito angustiado (v 3a). O “espírito angustiado” é, em primeira instância, uma referência ao estado psicológico de Davi, mas também lembra um certo abalo em sua estrutura espiritual. A alma de Davi clamava intensamente ao Deus de Israel. É normal em circunstâncias como estas a fé do crente sofrer instabilidade colocando em dúvida a providência e a própria existência de Deus.

  3. Insegurança (v 3b). O sentimento de insegurança sempre está associado ao sentimento de abandono e ao mesmo tempo ao sentimento de impotência. Não se pode fazer muitas coisas quando se está dentro de uma caverna, rodeado de inimigos que buscam a qualquer custo sua vida. Este estado de impotência causou em Davi um profundo sentimento de insegurança. Ele afirma “no caminho em que eu andava ocultaram um laço” (v3b). Para Davi tudo na caverna parecia suspeito, não podia acreditar em nada e nem em ninguém, até o amigo mais chegado ou o seu guerreiro mais fiel eram suspeitos potenciais. Diante desta situação não lhe restava muitas alternativas senão confiar inteiramente na misericórdia e na graça do Deus de Israel (v5).

  4. Rejeição. A dor da rejeição é uma das piores dores que o coração humano pode experienciar. Davi descreve sua experiência de forma bem dramática, “Olhei para minha direita e vi, mas não havia quem me conhecesse, refúgio me faltou, ninguém cuidou da minha alma” (v4). Apesar de estar cercado de pessoas ele se sentiu sozinho, pois “ninguém cuidou da sua alma”. Essa expressão é uma alusão as carências afetivas de Davi, que simplesmente deixaram pelas pessoas que o cercavam. Jesus experimentou a dor do abandono quando foi preso no Getsêmani e quando estava na cruz, “ele foi abandonado primeiramente pelos seus discípulos” e em seguida, quando estava na cruz, pelo próprio Deus. Jesus descreve sua horrível experiência do abandono ao pronunciar as palavras, “Deus meu, Deus meu porque me desamparaste”. A dor do abandono é alimentada constantemente pelo sentimento de solidão. O sentimento de solidão nem sempre é sinal de viver sozinho fisicamente. Podemos sentir profunda solidão vivendo em meio a uma multidão. Da mesma forma o sentimento de abandono pode surgir por necessidades afetivas de atenção, valorização, reconhecimento etc. No mundo globalizado as relações interpessoais vem se tornando cada vez mais superficiais e egoístas. A tendência cada vez mais crescente em nossos dias é substituir as relações interpessoais por relacionamentos virtuais, onde algumas barreiras da interação corpo a corpo podem ser superadas ou simplesmente ignoradas. Outros dispensam até mesmo as amizades do mundo virtual, ocupando boa parte do tempo como jogos, filmes, seriados etc. No entanto, todas estas formas de entretenimento inovadoras não substitui a necessidade inerente do ser humano de se relacionar com o seu semelhante, na troca de afetos e experiências. O ser humano tem a necessidade afetiva de ver, abraçar, beijar, conversar com o seu igual. Para corrigir esta necessidade inerente, o homem precisa se relacionar de forma acentuada e significativa, recebendo elogios sinceros, recebendo valor e reconhecimento das pessoas que o amam ou que são por ele amadas. Como diz o renomado psiquiatra Augusto Cury, nunca se viu pessoas tão tristes e tão vazias como atualmente apesar da moderna e sofisticada indústria do entretenimento. As pessoas estão conectadas virtualmente, mas estão se sentido cada vez mais sozinhas e solitárias, apesar de viver em família, inseridas no meio social, elas estão se sentindo cada vez mais excluídas. Se situarmos o evento descrito no Salmo 142 como sendo qualquer um dos momentos em que Davi fugia daqueles que se fizeram seus inimigos, (Saul, Absalão) podemos concluir que em ambas as hipóteses ele, de fato, não estava sozinho. No primeiro caso, seus guerreiros escolhidos estavam em sua companhia (1 Sm 22.1. 24.3,7. 2 Sm 23.13), e no segundo caso, sua família e seus amigos íntimos, também estavam com ele. No entanto, como já abordado, a presença física de pessoas não significa que elas compartilham do nosso mundo, ou nós do mundo delas. Davi se sentia sozinho em seu próprio mundo. Ninguém parecia compartilhar de seus ideais, planos, projetos, objetivos. Atualmente há muitas pessoas perdidas e sozinhas vivendo em nosso meio, em nossa família, igreja, trabalho etc. O sentimento de rejeição, solidão, quando alcançam um estágio alevedado, pode insurgir em depressão, que por sua vez pode conduzir isolamento social e nos casos mais graves ao suicídio. Davi sentia-se solitário, oprimido, depressivo, pelo fato de não encontrar alguém que pudesse compartilhar de seus sentimentos e emoções. Davi pôde superar seus problemas pelo fato de ainda contar com a presença, consolo e conforto do Deus de Israel. Não devemos jamais esquecer que podemos contar com o auxílio e o companheirismo de Cristo em todo tempo. O cárcere emocional pode ser bem mais sufocante e angustiante do que o ambiente de um cárcere físico. Além do ambiente aparentemente aprisionador da caverna, Davi estava sendo vítima de um profundo cárcere emocional. A dor da rejeição de Davi, juntamente com o sentimento de impotência deixaram sua alma totalmente abatida (v 6).

  5. Tira a minha alma da prisão. A petição final de Davi em sua oração foi para que Deus pudesse livrar sua alma da prisão. Esta prisão da alma se caracteriza não somente pelas limitações impostas pela caverna, mas o cárcere emocional e espiritual que o afligia, o sentimento de insegurança, de impotência, de rejeição e de medo. O ser humano é constituído como um ser pneumopsicosomático, que constitui ao mesmo tempo uma unidade indizível. Todos os aspectos da personalidade humana estão interligados e interacionados intrinsecamente, de forma tal que é impossível estarmos bem no espírito se não estivermos bem no aspecto psicossomático (corpo/alma), ou vice e versa.

CONCLUSÃO Apesar de todo o sofrimento experienciado na caverna, Davi pôde aprender uma preciosíssima lição, “somente o Senhor é o nosso refúgio e a nossa porção na terra dos viventes” (v5 b). As vezes Deus permite passarmos pelas dificuldades e sofrimentos a fim de que venhamos aprender a dependermos mais Dele. Todos podem nos desamparar nos momentos de angústias e aflições, no entanto, podemos estar certos de que Deus jamais nos desamparará. Deus é fiel, aleluia.

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